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Listen: um drama irritantemente poderoso


Pode-se dizer que são poucas as pessoas que na primeira longa-metragem que realizam conseguem arrecadar tantas nomeações e prémios, assim como apresentar uma obra forte num estilo próprio. Ana Rocha de Sousa consegue este feito. "Listen" é um daqueles dramas fortes que enche diversos corações e caras de lágrimas, mas o que torna este drama distinto de tantos outros é a forma como consegue irritar o público. E atenção, não estou a falar num mau sentido, mas sim num óptimo sentido, porque para além de conseguir agarrar o espectador na narrativa e na viagem sentimental com que aquelas personagens passam, consegue também irritar com as situações sociais apresentadas e com a forma como as burocracias institucionais e outras questões de leis, etc., são por vezes tão desligadas da realidade, que fabricam cenários completamente ridículos e desprovidos de humanidade.

Este filme não agradará certamente todas as pessoas, mas é, sem dúvida alguma, um primeiro grande passo na carreira de realização de Ana Rocha de Sousa, que entrega a sua primeira longa-metragem juntamente com um murro no estômago, e isso não é fácil de esquecer, colocando certamente uma pressão extra para a sua segunda longa-metragem.

Sem revelar a história e a trama desta obra, "Listen" consegue ter uma dinâmica muito bem construída, mantendo a mesma linguagem e coerência ao longo do filme, nunca fugindo ou arriscando em histórias paralelas, e isso joga muito a seu favor, uma vez que esta é uma história simples, no sentido numeroso, com poucas personagens e focada sempre no mesmo tema. As interpretações estão todas muito bem construídas, mas não podia deixar de destacar o desempenho da actriz Lúcia Moniz, principalmente num monólogo numa sala de audiência, que é simplesmente arrebatador e tocante.

O que poderia resultar melhor aqui talvez fosse uma maior coerência na escolha entre o inglês e português, duas línguas que são faladas quase em simultâneo, e por vezes isso é um pouco distractivo. Também a música e banda-sonora poderiam ter sido mais aproveitadas em certos momentos, mas destaco a música de Nessi Gomes que se adequa que nem uma luva ao filme.

Para os que não puderam assistir ao filme numa sala de cinema, não desanimem, pois o filme está disponível em streaming na RTP Play, uma plataforma que para quem não conhece é completamente gratuita.

Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por André Marques.
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