Avançar para o conteúdo principal

Europa: um filme sem retórica sobre a imigração ilegal


"Europa" é um filme realizado por Haider Rashid que aborda o tema da imigração ilegal. O filme foi seleccionado em Cannes 74 na secção competitiva da “Quinzaine des Réalisateurs”, recebendo críticas positivas. O filme conta a história de Kamal (Adam Ali), um jovem iraquiano que embarca uma viagem a pé para tentar entrar na Europa. Para fazer isso, Kamal tem que passar a fronteira entre a Turquia e a Bulgária, mas é apanhando pelas forças policiais que muitas vezes se unem ao crime organizado. Kamal consegue-se libertar e escapar aos “caçadores de migrantes”. É então que foge para a floresta, numa luta pela sua sobrevivência.

O filme tem uma origem autobiográfica: “A Bulgária - disse Rashid - é o país onde o meu pai entrou ilegalmente quando fugiu do Iraque em 1978 para a Europa. Embora a sua viagem tenha sido diferente da que o protagonista do filme empreende, de qualquer forma parecia-me ainda mais actual contar essa história. Passámos por visitas na Bulgária (na preparação do filme) e lá encontrámos a veracidade do que teria sido representado no ecrã. Surgiram os lados mais sombrios e macabros da questão migratória que integrei nos rascunhos posteriores do argumento, que escrevi com a Sonia Giannetto, cuja colaboração também foi importante para a concepção do som, construído por forma a ter um valor narrativo. Toda a história e o trabalho da câmara em “Europa” são focados no protagonista, com a ideia de que a câmara pode ‘respirar’ com ele.”.

O filme leva-nos ao drama da imigração ilegal com todo o poder do cinema, oferecendo-nos uma experiência imersiva. A câmara de mão nunca deixa o rosto do jovem protagonista, que consegue transmitir uma verdade e um sofrimento que permanecem dentro dos olhos dos espectadores. "Europa" é filmado com uma técnica entre documentário e videojogo, com a câmara sempre fixada no protagonista que no caminho encontra inúmeros obstáculos, cadáveres, tiros, e deve lutar até o fim pela sobrevivência.

Na minha opinião, duas sequências destacam-se ao mostrar uma notável habilidade técnica do realizador. A primeira é quando Kamal sobe numa árvore para não ser descoberto pelos 'caçadores' que estão atrás de outro imigrante ilegal como ele. Vemos Kamal num plano-sequência a escalar os galhos e subindo para cima da árvore e a câmara vai subindo com ele até ao topo. Aí vemos ele a testemunhar a execução do outro imigrante. Nesta sequência sentimos o medo, a adrenalina e o cansaço do jovem protagonista. A sequência em que Kamal está prestes a ser descoberto por um 'caçador' e é forçado a atacar para se defender também é muito bonita e surpreendente. O ritmo, o som e a montagem rápida deixam-nos sem fôlego.

"Europa" trata um assunto muito difícil sem usar a retórica, usando ao máximo as potencialidades oferecidas pelo cinema: optando por uma técnica de documentário sobre a 'caça' (o protagonista é a presa), para mostrar uma realidade desconcertante. Recomendo que não percam a oportunidade de ver este filme no grande ecrã do Cinema São Jorge. As exibições estão marcadas para os dias 4 e 9 de Abril como parte da programação da Festa do Cinema Italiano.

Classificação: 4 em 5 estrelas. Texto escrito por Gianmaria Secci.
Europa: um filme sem retórica sobre a imigração ilegal

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Milan Kundera, da Brincadeira à Insignificância": um filme sobre o legado de Milan Kundera

Milan Kundera é um autor envolto em mistério. Não aparece em público e, em 30 anos, não deu uma única entrevista pelo que apenas podemos conhecê-lo através do seu trabalho. Os seus ensaios e reflexões filosóficas são muito reveladores. Este filme, além de outras questões, leva-nos a interrogar: O que é que na obra de Kundera, o elevou ao estatuto de autor lendário? O que há de tão único nos seus livros? Ajudando-nos neste trabalho de investigação, está um estudante que tem uma fantástica oportunidade para conseguir uma entrevista. Após semanas de espera, num café à porta da casa de Kundera, enquanto lê as suas obras, começa a identificar-se com algumas das ideias do autor. É através deste estudante que começamos a perceber melhor a mensagem de Kundera, como e porquê que as suas estórias continuam a emocionar-nos e que pensamos, não apenas nos protagonistas, mas também em nós próprios. Milan Kundera nasceu a 1 de abril de 1929, em Brnö, na antiga Checoslováquia. Em 1975, fixou-se em Par

MOTELX 2022 - Os Filmes Vencedores da 16.ª edição

"Vórtice", de Guilherme Branquinho, é o grande vencedor do Prémio SCML MOTELX para melhor curta-metragem portuguesa, na 16.ª edição do MOTELX. "Speak No Evil", do dinamarquês Christian Tafdrup, arrecada o Prémio Méliès d’argent para melhor longa-metragem europeia. Já são conhecidos os vencedores da 16.ª edição do MOTELX, que desde 6 de Setembro tem mostrado o melhor do cinema de terror nacional e internacional, num ano surpreendente e repleto de público e de fãs. O Festival termina hoje com alguns dos filmes da programação já exibidos e, pelas 21h15, com uma nova oportunidade para assistir às melhores curta e longa europeias. Foram anunciados, na noite passada, durante a Sessão de Encerramento da 16.ª edição do MOTELX, na sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, os vencedores das 5 competições do Festival. O Prémio SCML MOTELX - Melhor Curta Portuguesa 2022 - a maior distinção concedida em Portugal para curtas-metragens (5.000€), com o apoio da Santa Casa da Mis

Dario Argento regressa ao MOTELX para apresentar o seu novo filme “Dark Glasses”

O mestre do terror italiano, o realizador Dario Argento , regressa ao MOTELX para a 16.ª edição do Festival, que decorre entre os dias 6 e 12 de Setembro, no Cinema São Jorge . O mote é a estreia nacional de “ Dark Glasses ” (Itália, França, 2022), o novo giallo do realizador de culto, que recupera as marcas autorais do seu legado e assinala o reencontro com a filha Asia Argento no grande ecrã. O cineasta, que foi convidado especial há precisamente 10 anos, na 6.ª edição do MOTELX, é ainda protagonista de uma masterclass onde vai abordar os seus processos criativos, completada por um Q&A com a plateia e por uma sessão de autógrafos, durante o Festival. Para Pedro Souto e João Monteiro, os directores artísticos do MOTELX, Dario Argento “é a maior lenda do cinema europeu de terror, que teve uma tremenda influência no cinema norte-americano e continua a ser uma referência para muitos cineastas, basta lembrar o recente remake de “Suspiria” ou o papel de protagonista no último filme de